Uma década de “Ensaio”, primeiro álbum do Descartes
Com influências de Fugazi, At The Drive-In e toques de existencialismo, banda gaúcha explorou a ousadia

O que você estava fazendo em abril de 2015? Lá em Caxias do Sul, na serra gaúcha, quatro amigos da banda Descartes lançavam Ensaio, um trabalho complexo e audacioso, que combina reflexões filosóficas com uma onda sonora que vai do post-hardcore ao rock progressivo.
No disco de estreia, a banda desafiou limites estabelecidos na música ao explorar o experimentalismo, mesclando a energia crua do hardcore e melodias incisivas com camadas psicodélicas, criando uma fusão única de potência e introspecção.
Formado em 2011, o quarteto batizou o projeto em homenagem a René Descartes — filósofo, matemático e cientista francês, considerado o pai do racionalismo moderno e autor da máxima "penso, logo existo". É a partir dessa ideia que a banda explorou diversas possibilidades líricas, com letras profundas e bem fundamentadas, como na canção que abre o disco, Sangue Colorido I:
Novas notas tortas, rotas e portais
Cada onda quebra o ciclo de outro cais
Inunda e alaga ruas que sem cor
Tentam te engolir com a ajuda do temor
Em Análise Poética de Conflito Temporal, nona faixa:
A satisfação plena está longe de qualquer remuneração rasa
Teu caráter depende da quantidade de cortes na tua pele
Sim, teu tempo está prestes a colidir com o tempo do mundoUma explosão quântica anuncia a virada temporal feito elástico
E todos caem, todos veem e todos sabem
Cada frágil feição é facilmente dominada pelo medo
Essa abordagem sustenta o arco narrativo de todo o álbum, firmando-se como elo entre a obra e o artista. São 43 minutos de crítica social e existencialismo, difundidos por um instrumental progressivo e imprevisível. Sangue Colorido é uma música única, dividida em quatro faixas distintas e repletas de detalhes. Em alguns momentos, soa como hardcore; em outros, flerta com o math rock; depois mergulha no rock psicodélico; em seguida, toca no jazz — e, ainda assim, termina com coesão.
É simplesmente mágico. Se você quer começar, ouça Seu Mundo Virado, faixa de número sete. É nesta música que está gravada a banda de verdade, que toca com emoção… do vocalista que canta gritando com coração até desafinar.
A parte triste é que o Descartes ficou neste trabalho e mergulhou num hiato profundo. Não houve turnê extensa, nem novos singles, nem promessas de um próximo álbum. Apenas o eco de um disco que, apesar de grandioso, permaneceu restrito a quem teve a sorte de cruzar com ele. Virou uma espécie de tesouro escondido do rock gaúcho: um registro raro de ousadia artística, que resiste ao esquecimento justamente por sua força e densidade.
Não perca tempo. Ouça Ensaio:
E, de quebra, veja uma sessions completa do disco:
Obrigado pelas palavras, amigo. Estava procurando referências do que já foi escrito sobre nós para escrever o release do EP que saiu ontem e me deparei com esse texto! Que alegria ler o que tu escreveu. Seguimos!!